p.s.

Escrevo-te porque não suporto a monotonia, não aguento a solidão que aos poucos se apodera de mim.
O vento sopra e tu passas por mim como se não me conhecesses. Apesar disso, os teus olhos ternos e imutáveis prendem-se aos meus, acentuando a saudade que sinto. Sempre me fizeste mal, ambos o sabemos.
(...)
Só te quero dizer que foi a melhor terça-feira da minha vida, que apesar de tudo me fizeste feliz como não conhecia o sentido da palavra. Quero pedir-te que te lembres, porque eu não me consigo esquecer, e não suporto que consigas. Quero que saibas que te amo, apesar de nunca to ter dito- talvez por falta de oportunidades, o 'nosso' grande problema. 

Venho despedir-me de ti porque já não suporto ser prisioneira dos teus olhos. Não aguento amar-te e fundamentalmente não aguento pensar que não me amas. Nunca me contaste o que sentias, o que lamento profundamente.
Vou-me embora, porque não aguento ficar perto de ti. E vou descobrir se consigo ficar longe. Lá vou chorar. Mas não te preocupes, vou-me lembrar daquela terça-feira. E os longos olhares vão terminar. Vou embora. Conforme o vento sopre.

Sempre tua,
                                                                                                                                                   I

sapatos cor-de-rosa



Já não tinha mais lágrimas, apenas um vazio com eco semelhante ao som do desfibrilhador que lhe salvara a vida. Nesse momento, julgara-se morto, porque mesmo com os olhos abertos tudo parecia escuro e sombrio. Apercebeu-se de que estava vivo pouco tempo depois, quando sentiu o coração a bater e ouviu a aflição dos seus pais. Foi diagnosticado com traumatismo ocular-
Culpava-se todos os duas do sucedido e esperava que tudo aquilo tudo não passasse de um mau sonho. Quando acordava essas esperanças sumiam e ele desejava morrer.
Todos os dias os seus pais ligavam a aparelhagem e reproduziam músicas de compositores como Adalph Adam, Prokofiev, Léo Delibes, entre outros, aconselhados pela psiquiatra que o rapaz consultava. A sua predilecta era "o pássaro de fogo", de Stravisky. Sempre fora gozado pela sua paixão de dançar ballet clássico, mas aquela música deixava-o relaxado, e ele esquecia todos os problemas que o incomodavam quando a dançava.
O acidente dera-se quando se dirigia para o conservatório, e ele intrepertava isso como um sinal de que o seu futuro não passava pelo que sempre ambicionara. Não se imaginava a fazer mais nada. A dança era a sua única paixão. Talvez não fosse a única...

*

Ela visitava-o todos os dias desde o acidente. Nas primeiras vezes, ele tivera dificuldade em aceitar a sua presença. Sentia vergonha, e, acima de tudo, inveja. Sabia que não era justo sentir inveja dela, que sempre fizera tudo por ele, mas não conseguia evitá-lo.

*

Passou um ano e ele voltara à escola há uns meses. Já se conformara com a sua vida e os seus pais trataram de o readaptar às suas novas condições. Estava mais que preparado. 
Ela assegurava-se de que todos o tratavam bem, mas a verdade é que atrás da preocupação se escondia um sentimento demasiado forte, que ela não conseguiria aguentar por muito mais tempo. 
Um dia, decidiu levá-lo ao ginásio onde costumavam passar tardes a ensaiar, ouvir música clássica e preparar-se para os espectáculos. Nenhum deles podia ter pedido melhor par, eram absolutamente perfeitos um para o outro.
A medo, ele entrou e relembrou o cheiro a madeira, suor, purpurinas e perfume de rapariga. Os seus sentidos tinham melhorado significativamente, de maneira que já se sentia confiante o suficiente para avançar sozinho. 
Ela pediu-lhe que tentassem dançar. Ele negou, e ela insistiu. Ele não resistiu, tinha de experimentar. No princípio sentia-se desconfortável, mas ela guiou-o o melhor que pôde, de modo que no final do dia ele não queria abandonar o único local onde se sentira realmente bem no último ano.
Todos os dias dançavam juntos. A cumplicidade entre os dois era enorme. Para o bem e para o mal, estavam ali um para o outro...
Depois de um treino extenuante para ambos, ela pediu-lhe que fizesse as audições para o conservatório com ela. Após uma longa discussão, ele acabou por ceder. Não tinha nada a perder e sabia-o.
Ele apercebeu-se de que ela se interessava realmente por ele, e ele amava-a desde a primeira vez que dançaram juntos. Nunca tivera coragem de lhe confessar tamanha paixão e decidiu fazê-lo no dia da audição. 
Treinaram o máximo que puderam, e o dia finalmente chegara. Dedicaram-se de alma e coração à dança, não podiam falhar agora. Ela calçava os seus sapatos cor-de-rosa, enquanto tentava disfarçar a preocupação da sua voz. Ele sentiu e pensara em desistir, mas tinha de fazer isto por ela.
Quando o júri lhes disse que passaram, foi o melhor dia das suas vidas. Tinham realizado os seus sonhos e o mérito devia-se apenas aos dois. 
Ele soube que era com o coração que vira claramente o que era invisível aos seus olhos. Era com o coração que ele sentira o que realmente interessava. Dirigiu-se a ela apressado. Os seus pensamentos deixaram de ter lugar e as emoções começaram a falar. Mas ela adiantara-se: "Acho que mereces todos os dias de felicidade". E beijaram-se até perder o fôlego.

relva



Ele magoou-a como ela não sabia ser possível. Amou-o e deu-lhe tudo o que podia e nao podia, entregou-se a ele de uma forma quase absurda e ele atraiçoou-a da pior maneira possível. 
De certa forma, achou-se estúpida e questionou-se se a culpa não poderia ser dela. Aumentou o ritmo do passo numa tentativa de se abstrair desse pensamento, mas sem sucesso.
O seu primeiro impulso fora fugir e sentira-se mal com ela própria por não encarar os problemas como sempre fizera, mas a verdade e que sair daquela cidade onde todos os recantos lhe traziam memorias daquele que lhe acabara de arruinar a vida, era uma necessidade.
Ao fazer as malas tentava convencer-se de que quem tinha perdido era ele, todavia não acreditava realmente nisso e por momentos sentiu vontade de lhe ligar, dizer-lhe tudo o que não dissera quando foi tempo. Dobrou outro par de jeans e engoliu em seco, tentando mentalizar-se de que tinha de saber perder, ouvir sem responder e guardar para si o que mais queria lhe dizer.
Desceu as casas esforçando-se por não esquecer nenhum dos ideias e saiu à rua ainda com os olhos em lágrimas. Limpou-os rapidamente com a mão, estava decidida a ser feliz e isso implicava não duvidar do que estava a fazer, sem mostrar sinais de fraquezas.
Chamou um táxi e sentiu o seu coração a bater confusamente. Tentou esquecer as memorias, a saudade e essencialmente a vontade de voltar para ele. Nunca tinha viajado sozinha, mas este era o momento para se preparar para um futuro que sabia ser incerto.
Indicou ao motorista o aeroporto, tentando acreditar que era esse o caminho ideal, tentando acreditar que a sua meta ía chegar mais rápido do que pensava. O tempo só podia estar do seu lado.
A imagem dele vinha-lhe varias vezes à cabeça, como a pior das assombrações, e ela convencia-se arduamente que a sua vontade era o mais forte e que o destino se encarregaria de acalmar a sua dor, transformando-a numa recordação delicada do passado. 
Pediu o bilhete para o avião que partiria naquele momento e dirigiu-se rapidamente para o seu lugar. Pela primeira vez durante muito tempo era ela quem comandava a sua vida e sentiu-se orgulhosa. 
Partiu sem olhar para trás, esforçando-se por apagar a memoria, receosa de a perder definitivamente. Partiu para outro mundo numa altura em que só lhe apetecia permanecer no mundo dele.Olhava para outros casais, felizes e melodiosos e isso deu-lhe vómitos. Concentrou-se nas coisas positivas: o seu momento ia chegar e ainda tinha esperanças de encontrar a pessoa certa, alguém que lhe estivesse disposta a dar tudo, tal como ela fizera com ele.
Apesar de não admitir, tinha medo de ser traída novamente, isso era algo que não podia suportar.
Desembarcou e chegou ao seu destino, porem achou por bem manter o telemóvel desligado. Longe do seu mundo, que também era o dele, sentia-se mais confiante, não cairia em tentações.
Alugou uma casa que tinha uma pequena lagoa no campo e adorou a sensação da relva a roçar-lhe nos pés. Nunca tinha saído do seu país industrial e achou que aquela sensação fresca e verde era maravilhosa, a melhor que poderia sentir pelo menos por agora.
Estava a nadar quando chegou à conclusão que talvez andasse demasiado perdida em busca do amor ideal, preocupada com o que podia receber.
Pela primeira vez desde que ele a tivera ferido, ela chorou. Já tinham passado demasiadas semanas e ela queria voltar. Não por ele, mas por si mesma. Naquele tempo todo que estivera isolada decidiu que no dar é que está o ganho, mesmo que implicasse a mesma dor e sofrimento. Aprendeu que era preferível sentir dor a não sentir nada. E só lhe doeu até sentir que da desilusão proveio uma lição. Doeu-lhe até estar certa que o caminho se faz a andar e que ela não podia ter feito as coisas de outra maneira. Doeu-lhe ate se conformar de tudo, e, um dia, esqueceu.

framboesas



Voltaram a encontrar-se no dia mais quente do Verão, onde tinham passado os melhores momentos das suas vidas sentados no areal duma praia que já podiam considerar sua.

Ela lembrava-se dele muitas vezes, e nem a distância destruía as suas memorias. Recordava a sua expressão de menino tímido e adorável, os seus enormes olhos castanhos que se enchiam de brilho sempre que olhava para ela e o cabelo rebelde que passava horas a pentear. Apesar de não suscitar o interesse das raparigas enquanto jovem, agora pareciam não o largar e por isso ela sentiu uma ponta de ciúmes.

Ele reconhecera-a de imediato, relembrando aqueles olhos azuis pelos quais se apaixonara na juventude. Relembrou a sua pele clara e macia que outrora o fazia vibrar e o seu cabelo preto e sedoso, cujo cheiro lhe fazia lembrar frutos silvestres. Quando ela se fora embora, deu por si a desenroscar frascos de champô no supermercado à procura do seu cheiro, mas nenhum se parecia assemelhar ao que o realmente fizera feliz.

*

Agora estavam ali, frente a frente, tantos anos depois, e o mundo pareceu parar. Tudo o que tinham imaginado dizer neste momento ofuscou e eles não largavam os olhos um do outro.

Ela achou que ele estava mais belo que nunca, melhor que as suas recordações e expectativas e deu por si a pensar se ele continuaria o rapaz engraçado, simpático, amoroso e um pouco mimado que a fizera perder a cabeça.

Ele morria por saber se os lábios a que roubara o primeiro beijo ainda tinham o mesmo sabor e quase se sentiu superficial ao pensar no belo corpo que abraçara tempos antes, e no que se tinha tornado. Para ele, ela era perfeita. Não era só peça sua beleza, nem pelo seu sentido se humor um pouco irónico, nem pela sua vontade incontrolável de ajudar o mundo. Era tudo isso e a sua ingenuidade, a sua teimosia e orgulho e principalmente a sua capacidade de o fazer feliz como nunca ninguém fora capaz de fazer.

Beijou-a e quando finalmente ganhou coragem para acabar com aquele parêntesis doce que melhorara significativamente o seu dia, deixou escapar: -Framboesa. O meu sabor favorito.

lombas


Por mais que o avisassem, ele tinha de experimentar. A sua curiosidade era maior que ele, e não sabia se conseguiria voltar atrás, mas não estava pronto para avançar.
As suas emoções começavam a transparecer e ela soube que ele estava a passar por um turbilhão de sentimentos, duvidas e novas experiências.
Já tinha presenciado histórias e histórias semelhantes, e, no fundo, sabia que era um erro. Mas não era justo, também ele queria desfrutar dessa sensação tão errada e ao mesmo tempo tão tentadora.
Tinha aprendido os pecados mortais e sempre os tivera em consideração, lutando contra eles todos os dias. No entanto, agora não lhe pareciam interessar.
Sabia que o que estava a fazer era um misto de gula e ganância, mas nenhuma das duas palavras encaixava realmente no momento e talvez por isso não se conseguisse decidir.
Por um lado, não iria conseguir viver com aquele peso na consciência, com aquela lomba no seu virtuoso percurso, e isso iria impedi-lo ser feliz. Não estava certo, porem, de que seria feliz se não arriscasse e temia que o momento o assombrasse para o resto da sua vida.
Os exemplos a que assistira no passada nada mais eram do que linhas rasuradas em folhas perfeitamente escritas num livro que não lhe pertencia, duma historia que não era a sua. Nenhuma linha rasurada alheia era considerada válida para ele.

*

O momento chegara sem ele se ter apercebido. Era agora ou nunca, abdicaria da sua integridade por uma felicidade passageira e um prazer desmedido?

                                    

número um


Quando criei este blog tinha milhões de ideias para posts, mas, quando chegou a hora de fazer o primeiro texto, não encontrei as palavras certas. Todos os dias escrevia textos que ilustravam perfeitamente as minhas ideias, mas não estavam de acordo com as minhas expectativas.
Decidi encher-me de coragem e publicar o texto, que escrevi directamente na caixa de mensagens. Porque não? Afinal, é só mais um blog e não espero ter visitas.
Vou encarar este blog como um diário, no qual vou tentar escrever todos os dias, para guardar e relembrar um pouco das minhas experiências, sem o perder (o que é dificílimo com tudo o que me passa pelas mãos), e principalmente para poder escrever o que me apetece, e ao mesmo tempo guardar o que quero só para mim.

Dirijo-me ao botão laranja ainda duvidosa ... Vai ser assim sempre que quiser publicar um texto?